Debate sobre a exigência do diploma de jornalista
Para exercer determinadas profissões é preciso de alguns conhecimentos. Isso porque alguns serviços prestados necessitam de conhecimentos específicos, oferecidos normalmente em cursos técnicos ou de graduação. Estamos falando de médicos, dentistas, engenheiros, biólogos, entre outras profissões. Assim sem uma graduação em direito um cidadão não pode ser advogado.
No Brasil uma dessas profissões era, até ontem, a de jornalista. Em 1969 um decreto-lei fez com que fosse obrigatório o diploma para que se execer a profissão de jornalista. Mas como escrito na primeira linha desse parágrafo, ERA até ontem, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal derrubaram a exigência do diploma.
Pra começo de conversa como funciona o STF
Antes de mais nada, é oportuno saber porque oito senhores tem o direito de decidir ou não futuro de uma profissão. Num país o poder judiciário é o que regula as leis, é por causa do judiciário que existe a lei seca e o estatuto da criança e do adolescente, por exemplo. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal(STF) é o órgão máximo do judiciário, a nossa suprema corte. Normalmente o STF decide inconstitucionalidades da Constituição Brasileira.
A exigência do diploma para a profissão de jornalista poderia estar em desacordo com a constituição de 1988, que garante liberdades de expressão e de informação. Essas liberdades não seriam cumpridas se uma pessoa fosse impedida de se expressar ou informar, por isso a necessidade de julgamento pelo supremo. Em 2006 uma liminar concedida pelo STF já havia suspendido temporariamente a exigência do diploma, para que começasse o debate.
Ontem no twitter muito se debateu sobre o assunto, com jornalistas e não-jornalistas opinando sobre a exigência, a formação do jornalista, o curso superior, o mercado atual, muita coisa. Sigo com um apanhado geral sobre a discussão e algumas reflexões minhas sobre o assunto. (as citações vem com seus respectivos links para as twittadas e os perfis citados, cliacando em cada perfil se descobre se a pessoa é jornalista ou não)
A formação do jornalista
@leojaime disse : "Qdo quiseram me prender, os maiores jornais do mundo se manifestaram em meu favor. Jornais sabem quem devem contratar. Não é só ter canudo." Enquanto @ulissesmatos acha que é "besteira exigir diploma quando qualquer modelete faz faculdade particular nas coxas e se habilita pra apresentar telejornal."
Ambos tem razão. Mesmo sem a exigência de um diploma para ser jornalista os jornais não vão contratar qualquer babaca. Pense como ficaria a qualidade de uma revista escrita por qualquer um, isso não vai acontecer. Para trabalhar as pessoas sempre tem que passar por uma seleção, entrevista, prova e tudo o mais. Nunca foi só chegar e estar empregado. Essa seleção vai continuar existindo e a pessoa com diploma vai ter ou não conhecimento a mais que outro sem diploma.
E o que o Ulisses disse faz sentido total. Há um tempo atrás duas ex-Casa dos Artistas apresentavam o Jornal do SBT, pares de pernas que liam as notícias escritas por outras pessoas. E tem muita gente nas universidades por aí pagando para ter um diploma. Em se tratando das universidades públicas tem muita gente ocupando cadeiras que poderiam ser de pessoas realmente interessadas em ser "jornalistas de verdade". São pessoas que assumem que não gostam de assistir a um filme ou que não lêem jornal, não sabem falar com conhecimento e propriedade de política, nem de meio ambiente, nem da luta sindical, nem mesmo da novela das oito.
E o que diz @astridfontinel: "sou a favor da melhor formação possível para um jornalista. Que sobrevivam as boas faculdades e que empresas levem em conta isso". Boas faculdade são um começo para essa tal formação necessária para um jornalista.
Enquanto isso tem gente nas universidades pensando como diz @msoares: "é mais ou menos isso que eu acho do povo que diz "ai, joguei quatro anos fora", "gastei um carro zero". Pô, estudaram ou COMPRARAM CANUDO?" O mesmo @msoares que diz: "Aprendi um pouco no Correio do Povo, um tanto na Folha, outro pouco na faculdade, outro tanto sozinho. Sempre ouvindo Purple".
Concordo também com @fraanks "que papo é esse de #diploma? diploma é só um papel enrolado em um canudo, que fica guardado na gaveta". Pensando não só no diploma, mas em alguém com diploma com condições de ser jornalista de verdade.
E tem outra coisa, então pra que então fazer uma faculdade se eu tenho condições de ser jornalista? Tem gente que sabe conversar, sabe falar bem em público, tem desenvoltura pra isso. Ou seja, não precisaria passar quatro anos numa universidade para fazer algo que já sabe. @thiagorarice diz: "legal, sou JORNALISTA!! Qndo me perguntarem eu direi: "Sou jornalista!!" =D"Vale lembrar que muita gente ACHA que sabe fazer jornalismo(exemplo do sujeito acima talvez). É na universidade que as pessoas tem contato com outros jornalistas, com outras pessoas interessadas no mesmo assunto, com acesso a diferentes conhecimentos. É na universidade que as pessoas tem acesso à pesquisa específica na área, a leituras, histórias e conversas de corredor com grandes exemplos de jornalistas.
Acima campanha da FENAJ(Federação Nacional dos Jornalistas) pela exigência do diploma.
Mas(tem sempre um mas) nem em todo lugar isso acontece. Em primeiro lugar, e na faculdades de fundo de quintal, como a pessoa vai ter contato com tais profissionais e ideias sem um corpo docente decente?
Sem esquecer da grade curricular. Um curso de jornalismo precisaria de matérias de humanidades, como antropologia, sociologia, literatura, sem esquecer de técnicas de rádio, tv, impressos. O sujeito não precisa sair da universidade expert em sociologia, por exemplo, mas ter uma base sobre o assunto, saber do que se trata e se precisar desse conhecimento um dia, saber onde procurar.
E a parte técnica? O mesmo @ulissesmattos diz: "@felipe_rodr além disso, há muitas faculdades q dao bagagens + interessantes do q a de Comunicação. curso técnico de jornalismo dá conta". Será mesmo que um curso técnico dá conta?
Uma universidade decente divide o aprendizado em partes, com tempo para aprender a técnica, colocar na prática, refletir, com cada área vista por meses. Um curso técnico daria conta disso? Com tempo para o aluno errar e acertar e ainda pensar de maneira sólida no que está aprendendo?
"E os atuais não-jornalistas"
E quem está no mercado escrevendo atualmente e não é formado em jornalismo, #comofas? os jornalistas que estão aí no mercado e não tem diploma? Vamos a exemplos:
Pablo Miyazawa é editor da revista Rolling Stone e disse ontem no twitter: "mas era obrigatório ter diploma de jornalista? Não sabia." "tô brincando. mas poderia ser verdade. fato é que em doze anos de redação, nenhum dos meus chefes era um diplomado". Olha só, o cara é editor de revista mais importante de cultura pop do Brasil e nunca teve chefes formados em jornalismo! E será que por isso a qualidade do que foi produzido onde ele trabalhou foi algo ruim ou não jornalístico?
@camilorocha diz: "Eu escrevi pra Bizz, Folha, Estado, O Globo, Gazeta Mercantil, Época, nunca foi mencionada a palavra "diploma"" Camilo Rocha é jornalista e DJ e se não fosse? Deixaria de ser interessante e ter valor o que ele escreveu esse tempo todo em todos esses veículos?
E William Bonner? O cara é editor-chefe de um dos jornais mais importantes do Brasil, o Jornal Nacional. Sabia que ele é formado em publicidade e propaganda? E aí? William Bonner é ou não jornalista?
Ao mesmo tempo há quem defenda com unhas e dentes a não-obrigatoriedade do diploma em meio as mudanças do jornalismo com o estágio em que se encontra a internet. @samadeu diz: "O fim do diploma para exercer a profissão de jornalista é um avanço para a comunicação que já ultrapassou a era dos jorrnais... #diploma". Ao mesmo tempo ele defende os comunicadores: "... nunca se precisou tanto de comunicadores. As redes reconfiguraram o ideal de notícia e fulminaram os antigos intermediários...".
Isso tudo pensando nas novas tecnologias, na nova relação que as pessoas tem com a internet, as redes sociais, a notícia em seu estado 2.0.
E o salário?
@raquelrecuero lembra: "O único efeito prático, penso eu, será o fim do piso e não da formação. #diploma"
Em reportagem no Estadão, o sindicato dos jornalistas diz que o fim da exigência do diploma vai diminuir o salário dos jornalistas. Cabe ao sindicato dos jornalistas regulamentar e fiscalizar sobre o salário dos jornalistas. E a esses cabe se valorizar, se sabe que tem jornalista por aí que ganha tão mal...
Fechando a discussão, acredito que devo lembrar do profissional que está no mercado, que está se formando, que se pergunta, mas e agora? Este tweet é uma boa resposta:
"Agora um padeiro pode roubar o meu emprego?" Se depois de 4 anos na faculdade tu escreve pior do que o padeiro, sim. #diplomadejornalista via @braziu
Para ainda mais sobre o assunto no twitter #diploma
Agora este post também está no Brasilwiki.
Concordo no que diz respeito ao fato de que o mercado continuará selecionando profissionais qualificados. Porém, acho complicado a desregulamentação ter acontecido em favor a grandes corporações de mídia, em nome da "livre imprensa"(todos sabem que a Folha de S. Paulo pressionou, e muito, o fim da obrigatoriedade). Livre imprensa já tínhamos. Espaço para colunistas, blogueiros, reclamações, denúncias, etc. É hipocrisia achar que com o fim do diploma qualquer um escreverá nos jornais. A edição sempre existirá, e sempre servirá aos interesses dos donos das corporações. Não será de todo uma "feira livre", com o seu padeiro dando "carteirada" por aí.
Penso que o maior problema, no fim das contas, seja o colocado por @raquelrecuero. Sem regulamentação, a categoria perde força (já estava sem, ou não teriam conseguido derrubar o diploma), perde a garantia do piso salarial (que já era também uma vergonha), e corre o risco de perder lugar (na linha de produção, não nas cabeças), para "estagiários" sem preparo, sem massa crítica e de fácil manipulação. Dessa forma, acredito que a desregulamentação total (acho deva ter alguma, se não pelo diploma), enfraquece e coloca em descrédito a imprensa nacional, pois corre-se o risco de, em nome da liberdade de imprensa, "formarmos", nas corporações, funcionários pouco interessados em servir ao público leitor qualidade e verdade, mas sim em manter seus empregos (o que também ja ocorria em menor nível). No fim das contas, já estava tudo muito ruim, nebuloso. Deram agora uma "empurradinha" pra ver se piora. E nós, estudantes e jornalistas ou simplesmente amantes da comunicação, ficamos esperando para ver o caminho para o caos, esperando que dele nasça algo de bom e novo para a manutenção (verdadeira) da livre imprensa.
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